terça-feira, 2 de setembro de 2008

Sentimento do mundo

Carlos Drummond de Andrade

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.

Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.


Quando os corpos passarem,

eu ficarei sozinho desfiando
a recordação do sineiro,
da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca e
não foram encontrados
ao amanhecer esse amanhecer
mais noite que a noite.

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